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sexta-feira, 27 de junho de 2008

Dulce Rocha: "A mediação escolar é essencial para sinalizar casos de maus-tratos"





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Sara R. Oliveira| 2008-04-01
Educare.pt

A ex-presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco garante que hoje há mais e melhores instrumentos para punir crimes contra menores, mas que ainda há um caminho a percorrer para alcançar a desejável tolerância zero.

A comunidade educativa tem um papel fundamental na denúncia de casos de maus-tratos. Dulce Rocha, que assumiu a presidência da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco entre 2003 e 2005, actual presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança (IAC), revela que têm sido dados passos importantes nas matérias que envolvem menores, mas admite que há questões que merecem um olhar mais atento.


A responsável lamenta que a impunidade continue a prevalecer. Mesmo assim, Dulce Rocha sublinha que a sociedade está mais desperta. "Quer-me parecer que há já consciência de que a pobreza é um factor de risco", exemplifica. Na sua opinião, a formação nesta área, sobretudo dos magistrados, é imprescindível para que os diagnósticos sejam mais correctos e as decisões ajustadas.

Dulce Rocha é magistrada do Ministério Público desde 1981. Em 1991, inicia funções como curadora de menores no Tribunal de Menores de Lisboa. Entre 1996 e 1999, coordena a Comissão Nacional dos Direitos da Criança, que elaborou o relatório sobre a aplicação da convenção em Portugal. Em Outubro de 2001, integra a delegação portuguesa enviada ao Comité dos Direitos da Criança em Genebra e, em Junho de 2003, é nomeada pelo Procurador-Geral da República para integrar um grupo de trabalho que, a nível europeu, investigou os abusos sexuais de crianças. Em Maio de 2003, é nomeada para membro do Conselho Técnico e Científico da Casa Pia.

EDUCARE.PT: Defendeu o alargamento do conceito de perigo na lei de protecção de crianças e jovens. Um conceito que possa funcionar preventivamente. Está tudo igual ou têm sido dados passos nesse sentido?
Dulce Rocha: Ainda não foi possível esse alargamento, mas tenho muita esperança de que o Parlamento aceite uma proposta do Instituto de Apoio à Criança (IAC) que, justamente, defende um conceito mais alargado de conteúdo preventivo, na medida em que conseguirá evitar que crianças em situações de perigo sejam efectivamente vitimadas.

Refiro-me àqueles casos em que, não tendo havido exercício da função parental, outrem se substituiu aos pais nas suas responsabilidades quotidianas de cuidado, e em que se desenvolveram relações psicológicas profundas entre a criança e essas pessoas que são as suas figuras de vinculação e de referência.

O IAC preconiza a inclusão dessas situações na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, por forma a prevenir gravíssimos danos psicológicos na criança, caso seja decidida a ruptura desses laços afectivos no âmbito de uma acção de regulação do exercício do poder paternal, por considerar não ser esta a acção própria em casos de não exercício prolongado das responsabilidades parentais. A acção de promoção e protecção mostra-se mais adequada, sendo urgente a consagração legal expressa do direito da criança à preservação das suas ligações psicológicas profundas.

E: Há impunidade em casos de maus-tratos e abusos sexuais de crianças? O que pode ser feito para alterar a situação? Os crimes contra menores só prescreverem quando as vítimas tiveram 18 anos poderá ser uma das soluções?
DR: Lamentavelmente, é minha convicção que a impunidade continua a ser a regra, embora seja notória uma maior consciencialização da comunidade, que cada vez denuncia mais casos. Houve porém uma evolução muito positiva, visto que, ao contrário do que sucedia há bem pouco tempo, a maioria dos crimes contra crianças tem agora natureza pública, com um prazo de prescrição bastante mais longo, o que significa que o nosso legislador passou decididamente a considerar de interesse público o bem-estar das crianças. A natureza semipública destes crimes indiciava uma inadmissível indiferença perante o sofrimento das crianças, que ficavam inteiramente sozinhas quando o agressor fosse o pai ou a mãe.

Por outro lado, a exigibilidade da queixa, quando a vítima fosse uma criança, conduzia a uma situação extraordinária, que era a de permitir a extinção do direito de queixa aos dezasseis anos e meio em casos gravíssimos de abusos sexuais prolongados. Creio que hoje temos mais e melhores instrumentos para punir estes crimes, embora ainda estejamos longe da tolerância zero que desejamos.

E: O que tem faltado para que os direitos das crianças tenham o lugar que merecem na Constituição portuguesa, uma vez que não entram no artigo que define as obrigações fundamentais do Estado?
DR: O reconhecimento da criança como sujeito de direito e de direitos é muito recente, pelo que, na prática, e designadamente a nível das decisões administrativas e judiciárias, constatamos que os direitos dos adultos continuam a ter um valor superior. Por vezes, sem se darem conta, os nossos decisores e também os nossos deputados desconsideram a criança, não valorizando, da mesma forma, a sua vontade, os seus sentimentos, as suas emoções, do que é exemplo a exclusão da sua voz.

Tem havido, por isso, não só em Portugal mas no mundo inteiro, um movimento no sentido de ouvir a criança, particularmente desde a aprovação da Convenção sobre os Direitos da Criança, e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) tem proferido decisões históricas sobre essa matéria, o que é bem significativo do que ainda há a fazer.

Quanto ao artigo 9.º da Constituição da República, na próxima revisão constitucional, estou convencida de que integrará essa alínea tão necessária que diga caber ao Estado, como tarefa fundamental, a protecção da criança.

E: A especialização dos magistrados na área dos direitos da criança continua a ser uma miragem?
DR: Ainda não temos especialização de magistrados. Nem temos ainda sequer a cadeira de Direitos da Criança nos curricula da formação inicial das faculdades de Direito, mas temos de reconhecer que estamos bem melhor do que há uns anos. Tem havido um esforço por parte de alguns docentes universitários, no sentido de organizarem cursos de pós-graduação sobre Direitos da Criança, que têm sido muito interessantes e com elevada frequência. Também aqui será a progressiva consciencialização da importância dos conhecimentos científicos que conduzirá à assunção das aquisições cognitivas como uma necessidade e uma exigência do século XXI.

E: Os portugueses têm, de facto, noção das situações que são consideradas de risco para os menores? Por exemplo, que viver em habitações degradadas ou faltar consecutivamente à escola são também factores que entram nesse conceito?
DR: Creio que sim. Quer-me parecer que há já consciência de que a pobreza é um factor de risco, que será tanto mais relevante quanto for associado a outros factores, de cuja conjugação pode resultar o perigo concreto para uma criança.

E: O papel e a intervenção das comissões têm sido, em alguns casos, colocados em causa. Como analisa as críticas quando algo corre mal?
DR: Depende muito do caso concreto. Por vezes, podemos assistir a críticas injustas, mas poderá também ser um sinal de que a comunidade está mais exigente para com as suas estruturas de decisão, particularmente quando estamos perante situações dramáticas de crianças que perdem a vida depois de alguém ter denunciado maus-tratos, por exemplo. É por isso que é fundamental a formação. Quanto mais soubermos, mais facilidade haverá em diagnosticar correctamente e tomar decisões ajustadas e atempadas, que evitem o prolongamento do sofrimento das crianças.

E: Falta mais poder para que as comissões possam actuar atempadamente? Em tempos, chamou a atenção para o facto de essas estruturas só poderem actuar caso os pais consintam...
DR: O consentimento dos pais é necessário, por imposição constitucional. Só os tribunais podem agir sem consentimento dos pais. Por isso, entendo que há situações que deveriam manter-se sob reserva dos tribunais e que são as que consubstanciem a violação de direitos fundamentais. Entendo que deve ser a natureza das acções praticadas que deve determinar a entidade competente para decidir e não a questão do consentimento, porque isso é, afinal, colocar frequentemente - sempre que seja o pai ou a mãe - o agressor a decidir sobre qual a entidade que vai apreciar o caso, o que é perverso, sob o meu ponto de vista. Será dar poder a quem utilizou abusivamente o poder paternal, visto que este lhe foi dado no interesse do filho. Ou seja, nos casos mais sérios de violação dos direitos fundamentais (maus-tratos e abuso sexual pelos pais), que se traduzem em enormes conflitos de interesses entre a criança e o adulto, os tribunais, que são os órgãos de soberania que a civilização criou para decidir os conflitos graves, não estão presentes. Creio ser indubitável que esta é uma demonstração de que há efectivamente uma desvalorização da criança, visto que, apesar do movimento actual de desjudicialização, não se admite, por exemplo, que um divórcio litigioso seja apreciado pelo conservador do Registo Civil.

E: Defender a prevalência da relação afectiva sobre a biológica na atribuição das custódias é um critério objectivo ou subjectivo?
DR: Actualmente, já não podemos opor a relação afectiva à biológica, porque a biologia integra também os afectos. Será por isso mais rigoroso falar da oposição entre relação afectiva e genética. É, sem dúvida, um critério objectivo, fundado nos conhecimentos científicos actuais. Aliás, o próprio TEDH tem dito que a relação biológica só releva para efeitos de protecção do direito à família se for acompanhada das responsabilidades financeiras e também das responsabilidades quotidianas de cuidado e afecto com a criança, que são imprescindíveis para o seu desenvolvimento equilibrado e saudável.

E: Que papel deve ter a comunidade educativa nas questões dos riscos, até pela proximidade que mantém com as crianças?
DR: A comunidade educativa desempenha um papel fundamental, visto que está presente diariamente na vida da criança, o que lhe dá uma responsabilidade muito grande no seu desenvolvimento.

E: Faltam estruturas ou apoios nos estabelecimentos de ensino para que os casos sejam sinalizados atempadamente?
DR: O IAC tem entendido que a mediação escolar é essencial para sinalizar não só casos de maus-tratos que devem ser participados às comissões de protecção, mas também para trabalhar casos de absentismo escolar e até de violência entre pares. Para o efeito, o IAC tem incentivado a criação de gabinetes de apoio ao aluno e à família em todo o país.

E: Como analisa a mediatização dos casos mais complexos e que envolvem crianças? Há vantagens ou desvantagens?
DR: Poderá haver desvantagens derivadas do excesso de exibição de determinado caso em concreto e do tratamento desadequado devido à busca de sensacionalismo da notícia. Mas creio que as vantagens da denúncia superam largamente as desvantagens, pois o que de pior pode haver é a indiferença motivada pelo silêncio.

E: Essa mediatização pode contribuir para que haja mais denúncias?
DR: Não tenho dúvidas de que a notícia dos casos facilita as denúncias, quer de terceiros, quer das próprias vítimas.

E: Portugal tem uma rede de instituições de acolhimento de crianças eficaz?
DR: Tem-se feito um esforço grande, nos últimos anos, para melhorar o acolhimento, humanizando-o e tornando-o mais seguro, designadamente através de formação adequada, com vista a retirar-lhe definitivamente algum cariz tipo asilar que ainda subsistia. Creio que poderemos dizer, também aqui, que houve uma evolução muito positiva nesta área, mas claro que podemos sempre aperfeiçoar a qualidade do acolhimento. E as instituições têm sido extraordinárias porque são, muitas vezes, as primeiras a querer prestar cada vez melhores serviços e a mostrarem-se disponíveis para mudar, mostrando saber que a ética do cuidar é sobretudo uma responsabilidade.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Congresso procura diferenciar conceitos de violência escolar e de «bullying»

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2008-04-02

Um professor da Universidade de Évora (UE), Vitor Franco, garantiu hoje que nem tudo o que é violência escolar pode ser encarado como Bullying, defendendo a necessidade de clarificar os dois conceitos

A imagem “http://www.cienciahoje.pt/files/25/25850.jpg” contém erros e não pode ser exibida.

“Muitas vezes, o termo 'bullying' é mal usado porque nem tudo o que é violência escolar é 'bullying'. Este é um tipo de violência que envolve uma espécie de perseguição", esclareceu Vítor Franco, em declarações à agência Lusa.

Ainda de acordo com o docente da UE, o "bullying" e a violência escolares são fenómenos “estudados há muito tempo nos Estados Unidos da América (EUA)” e que “têm sido amplificados, agora, pela comunicação social".


Os dois conceitos vão ser debatidos em Évora no XV Congresso Internacional da Associação de Psicologia da Infância e Adolescência (INFAD), que arrancou hoje e termina sábado, subordinado ao tema “Psicologia e Relações Interpessoais no Ciclo de Vida”.

O congresso, segundo Vítor Franco, presidente da comissão organizadora, dedica parte das comunicações dos quatro dias às “relações interpessoais no contexto escolar", abordando casos recentes de violência escolar, à luz da psicologia.

"Violência escolar e bullying: novos riscos e novos desafios de intervenção" é um dos temas em análise, a cargo da professora Rosario Ortega-Ruiz, da Universidade de Córdoba (Espanha).

A docente “vai falar de um tema bastante actual”, salientou Vítor Franco, considerando que o congresso é uma oportunidade para diferenciar os conceitos de violência escolar e de “bullying”.

Uma outra comunicação relacionada com a temática, acrescentou, é a de Feliciano Veiga, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, sobre as "Interacções e direitos psicossociais percepcionados por jovens alunos".

"A intenção destes congressos é ir à procura dos problemas que a sociedade vive e perceber como a psicologia olha para eles e se está atenta a esses problemas, para poder discuti-los e apresentar soluções", concluiu Vítor Franco.

Também o campo das relações interpessoais nos contextos social e familiar são objecto de análise no congresso, que decorre na universidade alentejana. A professora Lídia Weber, da Universidade do Paraná (Brasil), aborda os "Estilos parentais e desenvolvimento infanto-juvenil", enquanto que o professor Júlio Machado Vaz, da Universidade do Porto, desenvolve a temática da "Sexualidade e envelhecimento".

No XV Congresso Internacional INFAD estão presentes mais de 250 participantes de Portugal, Espanha, Itália, Brasil e de outros países latino-americanos, sendo apresentados 230 trabalhos de investigação sobre diversas áreas temáticas.

A iniciativa resulta da organização conjunta do Departamento de Psicologia da UE e da associação INFAD, uma sociedade científica constituída por professores e investigadores das faculdades de psicologia de Espanha.

Violência Escolar e Crise da Família

Especialistas em educação defenderam hoje que o aumento da violência escolar se deve em parte a uma crise de autoridade familiar, onde os pais renunciam a impor disciplina aos filhos, remetendo-a para os professores.

Vários especialistas internacionais estão reunidos na cidade espanhola de Valência a analisar até sábado o assunto "Família e Escola: um espaço de convivência". Os participantes no encontro, dedicado a analisar a importância da família como agente educativo, consideram que é necessário evitar que todo o peso da autoridade sobre os menores recaia nas escolas, o que obriga a "um esforço conjunto da sociedade".

"As crianças não encontram em casa a figura de autoridade", um elemento fundamental para o seu crescimento, disse na conferência inaugural do congresso o filósofo Fernando Savater. "As famílias não são o que eram antes, um núcleo muito amplo e hoje o ú nico que muitas crianças contactam é a televisão, que está sempre em casa", sublinhou. Para Savater os pais continuam a "não querer assumir qualquer autoridade", preferindo que o pouco tempo que passam com os filhos "seja alegre" e sem conflitos e empurrando o papel de disciplinar quase exclusivamente para os professores.

No entanto e quando os professores tentam ter esse papel disciplinador, "são os próprios pais e mães que não exerceram essa autoridade sobre os filhos que intentam exercê-la sobre os professores, confrontando-os". "O abandono da sua responsabilidade retira aos pais a possibilidade de protestar e exigir depois. Quem não começa por tentar defender a harmonia no seu ambiente, não tem razão para depois se ir queixar", sublinha. Savater acusa igualmente as famílias de pensar que "ao pagar uma escola " deixa de ser necessário impor responsabilidade, alertando para a situação de muitos professores que estão "psicologicamente esgotados" pela situação e se convertem "em autênticas vítimas às mãos dos alunos".

Os professores, afirma, não podem ser deixados sós, e a liberdade "exige um componente de disciplina" que obriga a que os docentes não estejam desamparados e sem apoio, nomeadamente das famílias e da sociedade. "A boa educação é cara, mas a má educação é muito mais cara", afirma, recomendando aos pais que transmitam aos seus filhos a importância da escola e a importância que é receber uma educação, "uma oportunidade e um privilégio". "Em algum momento das suas vidas, as crianças vão encontrar disciplina" , disse.

Em conversa com jornalistas, Savater explicou que é essencial perceber que as crianças hoje não são mais violentas ou mais indisciplinadas que antes, m as que hoje "têm menos respeito pela autoridade dos mais velhos". "Deixaram de ver os adultos como fontes de experiência e de ensinamento para os passarem a ver como uma fonte de incómodo. Isso leva-os à rebeldia", afirmou. Daí que mais do que reformas aos códigos legislativos ou às normas em vigor, é essencial envolver toda a sociedade, admitindo que "mais vale dar uma palmada, no momento certo" do que permitir as situações que depois se criam. Como alternativa à palmada, oferece outras, como suprimir privilégios, alargar os deveres ou trabalhos de casa.

(Ler aqui)

Agência LUSA
2006-11-10 11:57:13

Violência Escolar e Preparação dos Professores

Entrevista ao presidente do Observatório Internacional para a Violência Escolar
Eric Debarbieux: “Os professores não são treinados para agir em caso de violência”
22.06.2008 - 07:57 Bárbara Wong

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A violência não está a aumentar, diz Eric Debarbieux, professor de Ciências da Educação da Universidade de Bordéus, em França. Mas é preciso agir, não com medidas repressivas, mas pensadas a longo prazo. É presidente do Observatório Internacional da Violência Escolar, uma organização não governamental “científica”, uma “federação de investigadores” de 52 países, que faz estudos e recomendações aos Governos. A quarta conferência internacional decorre entre amanhã e quarta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Qual é o grau de influência do Observatório Internacional da Violência Escolar nas políticas dos países?

O nosso objectivo é ter influência, dizer o que está certo e errados nas políticas públicas. Por exemplo, sabemos que o melhor caminho não é ter políticas de repressão nas escolas e dizemos isso. O que não significa que sejamos ouvidos pelos políticos. A violência na escola é um tópico inconveniente que é recorrentemente recuperado pelos média e pelos políticos, que exageram sobre as suas causas e os seus efeitos. Contudo, a investigação mostra que a violência na escola não está a aumentar.

Não está a aumentar?

Vou dar um exemplo: Recentemente um país africano pediu-nos para fazermos um estudo. O observatório concluiu que o problema era as crianças não irem à escola, sobretudo as raparigas e recomendamos que o investimento devia ser feito na sua educação. É claro que não ficaram satisfeitos. A razão científica nem sempre é palavra de acção, mas é essa a nossa função.

A violência escolar vai da agressão verbal aos massacres nas escolas?

Os tiroteios não são um problema real. Nos EUA, os estudos dizem que o risco de um aluno ser vítima de um tiroteio é de um para um milhão, no entanto, 80 por cento dos estudantes tem medo de ser vítima. O verdadeiro problema é a violência continuada e repetida, a que chamamos bullying, sobre alunos, mas também sobre professores. Por vezes, pensa-se que não é importante, que é uma coisa pequena, mas sabemos que as consequências são muito graves para as suas vítimas. Há pesquisa que mostra que uma vítima de bullying pode tentar o suicídio mais quatro vezes do que alguém que nunca sofreu bullying na escola. É contra esta pequena violência que temos de lutar.

É diferente de país para país?

Há países onde há problemas graves de violência escolar. Em África, no Burkina Faso, 37 por cento das raparigas já foram vítimas de abusos sexuais por parte dos professores. Outro problema são os castigos corporais, nos EUA há 18 estados onde ainda são permitidos. Sabemos que as consequências podem ser nefastas. Por exemplo, grande parte dos tiroteios dentro de escolas é nesses estados onde os professores podem bater nos alunos.

Disse que a violência escolar não está a aumentar, mas são tornados públicos cada vez mais casos. Porquê?

Em França, a média do número de alunos vítimas de bullying não está a aumentar, mas se observarmos as escolas dos subúrbios, de zonas mais frágeis em termos sócio-económicos, a violência escolar está a crescer. Na Europa, a violência na escola está ligada à exclusão social e é um assunto que a democracia deve combater. Mas não é assim em todos os países.

Quer dizer que a violência pode não estar ligada à exclusão?

Em muitos países pobres africanos e da América Latina a violência escolar não é um problema porque a comunidade protege a escola. Para ela, a escola é um capital social, é uma oportunidade para sair da pobreza, enquanto noutros países, na Europa e EUA, a escola é vista como um inimigo. No Brasil, nas favelas onde não há saneamento, a escola é o único bem e os professores têm até 80 alunos na sala de aula e não há problemas de violência.

Significa que depende do contexto onde a escola se encontra?

É o que vamos discutir neste congresso: A violência em contexto. Como é que o contexto pode fazer parte da solução? Sabemos que há dezenas de milhares de alunos, em todo o mundo, que odeiam o clima escolar.

Porque a escola continua a ser igual desde a revolução industrial e recebe públicos para os quais diz não estar preparada?

Os professores não são preparados para intervir. Por exemplo, uma hospedeira é treinada para reconhecer o stress de um passageiro, um quadro bancário para a gestão e dinâmica de grupo, e os professores não. Em termos políticos, é uma prioridade repensar a formação. A maneira como se gerem os conflitos é muito importante, há necessidade de formar os professores também para trabalhar em equipa. Se não houver esse trabalho de equipa, a porta da escola está aberta para entrar a cultura de violência. Não podemos mudar a família ou a sociedade, mas podemos mudar a maneira como se trabalha na escola. A pedagogia pode contribuir para a solução.

Os alunos precisam de gostar da escola?

O sentimento de pertença à escola é uma das chaves. Se um professor ou um aluno está isolado, corre maior risco de ser vítima de violência. Por isso, é preciso apostar na boa convivência escolar. É uma necessidade criminológica para nos proteger da violência escolar, porque os agressores não são corajosos, são jovens que atacam e roubam os da mesma classe social. Se há uma equipa a funcionar na escola, as agressões podem reduzir-se.

E as câmaras de vídeo ou a polícia à porta da escola?

Há escolas com os portões fechados e videovigilância. São meios que podem tornar-se perigosos porque os alunos interpretam que a escola os quer vigiar e controlar, bem como aos amigos e à família. O desafio é evitar a violência de exclusão, ou seja, aquela que é feita fora da escola contra a polícia, os transportes públicos, os bombeiros, porque essa é mais difícil de controlar. As escolas devem criar regras claras contra o bullying.

Quais devem ser as responsabilidades dos governos?

Formar professores para saberem gerir conflitos. Tomar medidas de apoio às vítimas, mas também de apoio aos agressores. Não basta agitar o cassetete, os Governos devem dar uma resposta que não seja dura e imediata, mas de longo prazo. Os governantes sentem um enorme fascínio pela repressão da violência extrema e isso deve-se à pressão mediática. Não há imagens da pequena violência, diária e repetida; mas há das consequências de um tiroteio num liceu norte-americano, que passam repetidamente na televisão. As políticas públicas devem dirigir-se à pequena violência.